Dizem que uma pessoa não muda nunca, mas mudar era o desejo dela.
Ela era humana acima de tudo, mas não conseguia deixar de não sentir-se ferida a cada mentira descoberta, a cada decepção. Era como se todos os erros fossem muito maiores do que qualquer outra coisa, qualquer coisa que pudesse ter sido alegre um dia. Tudo parecia mentira e desfazia a magia do que se passou, transformava em cinzas o que havia sido construído com tanta delicadeza. Não tinha pretensões dizendo ou imaginando que não havia cometido seus erros, não. Sabia que também havia pecado, pois como dito antes, conhecia sua humanidade. Pagara por seus erros, mas sentia as dores cortarem sua carne, e sentia que algo mais era drenado.
Pouco a pouco, passou a não mais acreditar em pessoas. Elas sempre pareciam prontas a ouvir sobre ela, para depois jogarem em sua cara o que havia passado e mentirem, maldizerem pelas costas, destruírem a confiança que já era frágil. Afastou-se aos poucos das pessoas, trancando-se dentro de si mesma, pouco a pouco, até que já não havia mais vontade alguma, esperança alguma - naquela pessoa que um dia disseram que a esperança nunca morria em seus olhos. Já não havia restado mais nada dentro dela. E ela invejava os outros. Desejava ardentemente poder ser indiferente, secar as lágrimas para não mais chorar, não mais deixar que a ferissem daquele jeito. Queria conseguir vestir uma máscara e dançar no salão da falsidade, dizendo que estava tudo bem, não se importando com nada, apenas pensando em si mesma e sendo feliz daquele jeito.
Sentia-se definhar, sentia-se desaparecendo em meio ao caos de si mesma. Havia um porto seguro, um único lugar em que sentia-se segura, mas não achava justo jogar todas as suas preocupações e pesos em seu santuário. Temia que ele ruísse se unisse toda sua dor com a dor do próprio lugar.
Ela morria aos poucos. Matava-se. Torturava-se tentando compreender o que jamais ninguém compreenderá. Era uma tola, percebeu, uma tola que perdia seu tempo com coisa inúteis, mas que, mesmo assim, eram imutáveis.
A vida é feita de momentos.
Essa frase é nossa conhecida e vivida. Todos já devem ter ouvido ao menos uma vez alguém dizer, ou já disseram em algum momento da vida. E ela é verdadeira. Mas quem faz esses momentos? Não somos nós mesmos? Não somos nós mesmos que criamos os momentos com as escolhas que fazemos nas múltiplas encruzilhadas que encontramos durante as 24 horas de um dia? O que remete a uma outra verdade: sempre há escolha. Não importa se você não quer nem considerar uma outra escolha, achando que ela está errada ou é impraticável. Isso não muda o fato de que há escolhas.
Mas as escolhas que fazemos que criam os momentos que compõe a vida nem sempre são as melhores. Há escolhas que são completamente egoístas e orgulhosas, considerando apenas o lado do "não irei torcer o braço". Você acaba parecendo que se sai por cima, mas será que realmente se saiu? O mundo tem ficado cada vez mais introspectivo e egoísta, sem excluir pessoa alguma.
Desviei-me do assunto, perdão. Mas não pense você que não tem ligações, pois a linha que une os acontecimentos é tênue, mas infinita.
Momentos, sim.
É engraçado como o ser humano consegue transformar de triste para alegre com algumas palavras ou gestos. É engraçado como o outro influencia, e muito, nessas mudanças de humor. É engraçado ver isso acontecer mesmo que o egoísmo seja crescente. Por que, então, se o outro não importa para tantas escolhas, em meio ao orgulho pessoal, a aceitação de terceiros é algo tão importante no meio em que vivemos? Por que não se pode apenas ser feliz por que eu acredito que devo, e por que acredito estar certa no que faço? Por que não pensar no outro em momentos em que se deve e deixar de pensar no que ele pensa ou deixa de pensar em momentos em que não se deve?
O ser humano é complicado. Acredito que nunca será decifrado. Não por um outro ser humano, jamais. Apenas suposições serão criadas, com base em casos parecidos, mas nunca decifrado. O ser humano é o próprio enigma final. Resta-nos apenas agradecer que esse enigma não nos é pedido para que seja decifrado pela esfinge. Decifra-me ou devoro-te. Seria nossa condenação.
Há um vazio.
Um vazio no meu céu que não consigo preencher com nada que existe nesse mundo. É um vazio do muito que há em mim e não vê saída, não vê meios de se expressar e me liberar. O muito me corrói. O vazio me destrói.
Como se eu não tivesse ainda descoberto a melhor maneira de expressar todos aqueles pontinhos brilhantes de poeira de estrela que brilham dentro de mim e não conseguem sair pelos buracos da peneira que passo através dos métodos mais variados. Eles brilham com intensidade quando ouço ou leio pessoas que conseguem chegar próximo do que há dentro de mim e não foi ainda liberto.
E eu tento.
Mas nada sai, nada entra. Além do vazio momentaneamente ser preenchido com vapores que logo se esvanecerão dentro do vácuo que o transformará em nada. Novamente. E de novo.
Sinto como se meu invólucro não fosse aguentar e, a qualquer momento, a explosão iminente se dará e trará a tranqüilidade desejada por toda a vida. Mas é tudo uma ilusão. Ela não virá. O vazio do céu sem sonhos permeados por sonhos que meus dedos não conseguem tocar permanece. E assim será até o dia em que eu finalmente descobrir como e me descobrir nele chegar.
Meus olhos cansados parecem não enxergar ou imaginar quando isso será.
Será que virá?